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Ayslan Kurdi – hipocrisia sem limites

setembro 8, 2015

Ayslan

Não resta dúvida. Chegamos sim ao extremo da falta de bom senso, da falta de sensibilidade em relação à dor do outro. A foto do menino Ayslan, morto entre tantos outros que permanecerão no anonimato, não passa de uma exploração desmedida, hipócrita e nojenta da desgraça alheia. Não a foto em si, mas o uso que se fez dela. Assim como se faz uso de qualquer situação dolorosa ou constrangedora, prazerosa ou mesmo neutra, pela qual alguém tenha passado, mas sem o consentimento da pessoa, que neste caso, jamais poderá se manifestar, autorizar ou negar.

     Pois vieram os abutres de todas as espécies e se arvoraram do direito de se manifestar em nome do menino morto.  Nem quando vivo aquele pobre menino poderia dizer algo, de modo que ninguém pode colocar palavras em sua boquinha, nem sentimentos em seus gestos, já que o que dele vimos, foi apenas o corpo empurrado pelo refluxo das ondas do mar, que por sua vez, nada diz de ninguém.

     Mas se atreveram a dizer tanta coisa, a supor tantos sonhos e achar tantos culpados, que se ele voltasse de Hades, olharia a cena e certamente se assustaria. Talvez ele dissesse que isso é um exagero, considerando que todos os dias e noites centenas de pessoas fazem aquela travessia. Diria ele que nos esquecemos dos tantos outros que morreram nas mesmas condições. Ele talvez até se sentisse incomodado por ter sido ultrajado em sua morte. Talvez reclamasse direitos sobre a exposição de seu pequeno corpo, que tanto lucro deve ter somado aos aparelhos de comunicação que o vilipendiaram.

     Mas isso não vem ao caso. Até porque ele nunca teve nem terá voz. Outros escolheram o que dizer em seu nome. Disseram o que ele queria, o que buscava, o que pretendia e desejava, sem jamais terem lhe consultado. Assim como outros escolhem todos os dias o que vão dizer em nosso nome e nós apenas nos calamos, como se nossas bocas estivessem cheias de água e areia. Hipócritas miseráveis, nós e eles.

     Nos calamos por comodismo, por covardia. Nos calamos por sermos tão parecidos com o outro e até agirmos como ele, oprimindo, calando e usando o corpo morto dos pequenos restos humanos que a maré da civilização nos exponha. Nos escondemos atrás do ato covarde de acusar o outro, apontar seus defeitos e expor suas fragilidades.

     Até quando será assim? Até quando nos calaremos, abaixaremos a cabeça e permitiremos que a civilização continue nos desumanizando?

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